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Moçambique - O legado da Visita do Papa: um hino à esperança, à paz e à reconciliação
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17 setembro 2019

(ANS - Maputo) – A viagem do Papa Francisco a Moçambique já terminou há alguns dias, mas suas palavras e seus gestos ainda ressoam. As pegadas evangélicas do Papa Francisco marcaram o solo moçambicano e suas palavras ainda ecoarão por um bom tempo, expressando o consolo e a verdade que precisavam ser ouvidas e discutidas entre a população. Principalmente no que se refere à violência e às injustiças sociais.

Hoje o norte do país vive uma situação de extrema violência em Cabo Delgado, onde fica a Diocese de Pemba: casas incendiadas, pessoas mortas por decapitação, outras atrocidades… Em entrevista ao Boletim Salesiano, de Moçambique, o P. Edegard Silva Júnior, salesiano missionário e presidente da CIRMO, de Pemba, comenta que os missionários da Diocese, juntamente com o Bispo, Dom Luiz Fernando Lisboa, e a Comissão de Justiça e Paz, formaram um grupo ligado à Universidade Católica de Moçambique para estudar a natureza dos ataques. No entanto, conquanto a tendência seja relacioná-los aos conflitos religiosos ou políticos vigentes, aparentemente não há motivos evidentes por parte dos jovens que os praticam. Cabo Delgado tem um solo muito rico em grafite, diamante, petróleo, gás e madeira, sendo ponto de interesse das grandes multinacionais que se instalam no país sob a tutela do Governo moçambicano.

Os vestígios do ciclone Kenneth, que novamente atingiu a província de Pemba, e o ciclone Idai, na província de Sofala, também afligem os moçambicanos. O país recebeu diversas ajudas humanitárias, mas a população ainda sofre com a falta de condições básicas para a sobrevivência.

O Santo Padre falou sobre estas difíceis realidades em seus discursos durante a visita ao país e enfatizou a importância de olhar a vida do próximo com o mesmo amor que Deus olha, convidando à promoção da misericórdia e da bondade para com os outros sem esquecer as histórias de dor e violência que viveram e ainda vivem.

“É difícil falar em reconciliação, quando ainda estão vivas as feridas causadas durante tantos anos de discórdia, ou convidar a dar um passo de perdão que não signifique ignorar o sofrimento nem pedir que se cancele a memória ou os ideais. Mesmo assim, Jesus convida a amar e a fazer o bem. (…) Com tal convite, Jesus quer encerrar para sempre a prática tão usual – ontem como hoje – de ser cristão e viver sob a lei de talião. Não se pode pensar o futuro, construir uma nação, uma sociedade sustentada na «equidade» da violência. Não posso seguir Jesus, se a ordem que promovo e vivo é «olho por olho, dente por dente». (…) Superar os tempos de divisão e violência supõe não só um ato de reconciliação ou a paz entendida como ausência de conflito, implica também o compromisso diário de cada um de nós ter um olhar atento e ativo que nos leva a tratar os outros com aquela misericórdia e bondade com que queremos ser tratados; misericórdia e bondade sobretudo com aqueles que, pela sua condição, rapidamente acabam rejeitados e excluídos.”

O Santo Padre prossegue buscando esclarecer e cultivar as virtudes que conduzem à vivência que o Evangelho propõe a todos.

“Moçambique possui um território cheio de riquezas naturais e culturais, mas paradoxalmente com uma quantidade enorme da sua população abaixo do nível de pobreza. E por vezes parece que aqueles que se aproximam com o suposto desejo de ajudar, têm outros interesses. É triste quando isto se verifica entre irmãos da mesma terra, que se deixam corromper; (…) «Não seja assim entre vós» (Mt 20, 26; cf. vv. 26-28). Com as suas palavras, Jesus impele-nos a ser protagonistas de outro trato: o do seu Reino. Aqui e agora, sementes de alegria e esperança, paz e reconciliação. O que o Espírito vem impelir não é um ativismo transbordante, mas, antes de tudo, uma atenção prestada ao outro, reconhecendo-o e valorizando-o como irmão até sentir a sua vida e a sua dor como a nossa vida e a nossa dor. Este é o melhor termômetro para descobrir as ideologias de todo e qualquer tipo que tentam manipular os pobres e as situações de injustiça ao serviço de interesses políticos ou pessoais (cf. Evangelii gaudium, 199).”

No encontro inter-religioso com os jovens, o Papa também mencionou a prioridade do pastor em estar em meio aos seus e incentiva todos à experiência da alegria, da esperança e da luta pela paz e pela reconciliação, sem deixar-se levar pela resignação e ansiedade.

“Precisam saber disso, precisam acreditar nisso: vocês são importantes! Porque não são apenas o futuro de Moçambique ou da Igreja e da humanidade; vocês são o presente! Com tudo o que são e fazem, já estão contribuindo para ele com o melhor que hoje podem dar. Sem o entusiasmo de vocês, dos cânticos, da alegria de viver, o que seria desta terra? (…) Não deixem que lhe roubem a alegria. Não deixem de cantar e se expressar de acordo com todo o bem que aprenderam em suas tradições. Que não lhes roubem a alegria! Como disse, há muitas maneiras de olhar o horizonte, o mundo, de olhar o presente e o futuro. Mas é preciso acautelar-se de duas atitudes que matam os sonhos e a esperança. Quais são? A resignação e a ansiedade. (…) Quando tudo parece estar parado e estagnado, quando os problemas pessoais nos preocupam, as dificuldades sociais não encontram as devidas respostas, não é bom dar-se por vencido. Repitam: Não é bom dar-se por vencido! [todos: Não é bom dar-se por vencido!] (…) Recordo o provérbio que diz: «Se quiser chegar depressa, caminha sozinho; se quiser chegar longe, vai acompanhado». Repitam: «Se quiser chegar depressa, caminha sozinho; se quiser chegar longe, vai acompanhado». Trata-se sempre de sonhar junto, como fazem hoje. Sonhem com os outros, nunca contra os outros; sonhem como sonharam e prepararam este encontro: todos unidos e sem barreiras. Isto faz parte da «nova página da história» de Moçambique.”

Com os religiosos, Francisco abordou a necessidade de voltar à essência da vocação de todo servo de Cristo a exemplo de Maria.

"Encontramo-nos nesta catedral, dedicada à Imaculada Conceição da Virgem Maria, para compartilhar como família aquilo que nos acontece; como família, que nasceu naquele sim que Maria deu ao anjo. Ela, nem por um momento olhou para trás. Quem narra estes acontecimentos do início do mistério da Encarnação é o evangelista Lucas. Em sua maneira de agir, talvez possamos descobrir resposta para as perguntas que me fizeram hoje e encontrar também o estímulo necessário para responder com a mesma generosidade e solicitude de Maria." (…) Às vezes sem querer, sem culpa moral, habituamo-nos a identificar a nossa atividade quotidiana de sacerdotes com certos ritos, com reuniões e colóquios, onde o lugar que ocupamos na reunião, na mesa ou na sala é de hierarquia; parecemo-nos mais com Zacarias do que com Maria. (…) Renovar o chamado, disse o Papa, "passa, muitas vezes, por verificar se os nossos cansaços e preocupações têm a ver com certo ‘mundanismo espiritual'» ditado ‘pelo fascínio de mil e uma propostas de consumo às quais não conseguimos renunciar para caminhar, livres, pelas sendas que nos conduzem ao amor dos nossos irmãos, ao rebanho do Senhor, às ovelhas que aguardam pela voz dos seus pastores'» (Homilia na Missa Crismal, 24 de março de 2016); renovar o chamamento, o nosso chamamento, passa por optar, dizer sim sem cansar-nos com aquilo que é fecundo aos olhos de Deus, que torna presente, que encarna o seu Filho Jesus. (…) A Igreja de Moçambique é convidada a ser a Igreja da Visitação; não pode ser parte do problema das competências, menosprezos e divisões de uns contra os outros, mas porta de solução, espaço onde sejam possíveis o respeito, o intercâmbio e o diálogo. Reavivemos, pois, o nosso chamado vocacional, façamo-lo sob este magnífico templo dedicado a Maria e que o nosso sim comprometido proclame as grandezas do Senhor e alegre o espírito do nosso povo em Deus nosso Salvador (cf. Lc 1, 46-47). E encha de esperança, paz e reconciliação o vosso país, o nosso querido Moçambique.”

O Santo Padre se despede do país deixando os sinais da presença de Deus pelos caminhos por onde passou, mas, especialmente, nos corações.

Acompanhemo-lo com nossas orações!

Cauany Marcondes,

Voluntária missionária da Congregação Salesiana, em Moçambique

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