Brasil – P. Rezende Sarmento SDB: “Depois do Sínodo a Igreja presente na Amazônia não será a mesma”

18 novembro 2019

(ANS – Manaus) – “O Sínodo é dos Bispos, mas nós contribuímos muito para ele” – afirmou o P. Justino Rezende Sarmento SDB, em entrevista à REPAM-Brasil. Ele foi o único padre indígena da Pan-Amazônia presente no Sínodo e contribuiu com o processo desde a elaboração do Documento Preparatório, quando atuou como experto com outros especialistas convidados pelo Vaticano. Justino é indígena do povo Tuyuca. Nascido na região do Alto Rio Negro, na região conhecida como a “cabeça do cachorro”, há 25 anos é sacerdote, tendo 35 anos de vida religiosa salesiana. Foi um dos peritos do Sínodo para a Amazônia. Para ele, “depois do Sínodo a Igreja presente na Amazônia não será a mesma: será diferente, mais presente, mais comprometida, mais samaritana”.

Justino Sarmento disse para nossa equipe que o Sínodo foi um momento marcante para os povos indígenas da Pan-Amazônia. “Nós estivemos no Sínodo da Amazônia e contribuímos, do nosso jeito: com nossos cocares e sem cocares, com vozes femininas, masculinas, com línguas espanhola, portuguesa, inglesa. Andamos e circulamos entre os bispos. Falávamos com o Papa Francisco” – destacou o padre.

Para o padre indígena, o Sínodo abre uma nova perspectiva para relação entre os povos indígenas e a Igreja. “A partir desse Sínodo eu percebo que aumentará a sensibilidade de muitos bispos e dioceses na questão indígena, favorecer-se-á o surgimento e o fortalecimento das pastorais indígenas e ministérios leigos e ordenados” – declarou Justino.

Como você avalia a presença dos povos originários no sínodo?

Papa Francisco convocou uma Assembleia Especial dos Bispos da região Pan-Amazônica. Eu acredito que houve mudança profunda desde a convocação, processo de preparação e participação do Sínodo. Primeiramente, o Papa desafiou a Igreja a pensar, principalmente nos povos indígenas, que geralmente são esquecidos. (Mas) nós fomos lembrados pelo próprio Papa Francisco desde a convocação. Depois, na elaboração dos primeiros textos - daquilo que seria chamado Documento Preparatório – a REPAM convidou um indígena (eu) como um dos peritos para ajudar: algo extraordinário, inusitado na visão de uma Igreja “tradicional”. Eu participei da primeira reunião do Conselho Pré-Sinodal que estudou e aprovou o Documento Preparatório, realizada entre os dias 12 e 13 de abril do ano passado. Em seguida foram ESCUTADOS (consultados) aproximadamente 20 mil indígenas representantes dos 172 povos indígenas do total de 390, da região Pan-Amazônica.

Depois ainda participei dos eventos nacionais e internacionais do processo preparatório do Sínodo (Brasília, Manaus, Belém, Bogotá, Nova Iorque, Roma). Participei da segunda reunião do Conselho Pré-Sinodal, realizada nos dias 14 e 15 de maio deste ano, que estudou e aprovou o «Instrumentum Laboris». Finalmente, vim participar do Sínodo como um dos Peritos. Diversos indígenas foram convidados para participar do Sínodo como Auditores e Auditoras. Como um dos que participou diretamente do processo de organização do Sínodo da Amazônia, eu fiquei muito feliz. Feliz porque estávamos representando os povos indígenas de próprios países e, mais do que isso, falávamos em nome dos povos indígenas da Amazônia e em nome dos povos da Amazônia e do mundo inteiro. Foi muito emocionante ouvir na Aula Sinodal os pronunciamentos de cada indígena. Eles e elas falaram com coragem e desafiaram a Igreja a assumir seu verdadeiro papel de defensora da vida. E tanto os Padres Sinodais quanto o Santo Padre deram muita atenção às vozes dos indígenas.

Como o tema dos povos originários foi discutido ao longo da assembleia sinodal?

Os padres sinodais sabiam que um dos temas mais relevantes era o tema relacionado aos povos indígenas, não tinha como fugir disso. E quem quis fugir ficou pressionado a assumir o tema indígena. O Papa Francisco, desde o encontro com os povos indígenas em Puerto Maldonado no dia 19 de janeiro de 2018, estabeleceu dentro da Amazônia e frente ao mundo inteiro que o tema principal do tema do Sínodo da Amazônia estava relacionado à defesa dos povos indígenas e povos amazônicos. E, mais ainda, ele reconheceu os povos indígenas como os interlocutores principais em todos os níveis, também com a Igreja. Por isso, o Papa Francisco assumiu a voz profética, posicionando-se contra todos os projetos que ameaçam a vida dos povos amazônicos, povos indígenas e seus territórios. Houve muitas resistências no início do processo preparatório, pois alguns bispos diziam que em suas dioceses não existiam indígenas.

Quando chegou a hora do Sínodo, a maioria dos bispos discursaram claramente dos problemas que envolvem os povos indígenas e seus territórios. O clima do Sínodo foi favorável para entender as questões indígenas. Foi durante a realização do Sínodo que os Bispos da região Pan-Amazônica encontraram-se pela primeira vez, pois até então, cada região fizera sua própria caminhada. Eu percebi que o tema dos povos indígenas permeou os trabalhos da assembleia. É normal que houvesse: muitos bispos assaz comprometidos com as questões indígenas; outros menos; e uns poucos, indiferentes.

Que avaliação você faz dos resultados acerca do tema dos povos originários no sínodo?

Os povos indígenas receberam atenção especial no Sínodo, mais do que outros povos (mestiços, afrodescendentes, quilombolas). Os/as indígenas estavam presentes no Sínodo. Falaram em nome de seus povos. Os Padres sinodais e o Papa Francisco foram sensibilizados e tocados por seus discursos fortes e seguros. Tanto na Aula Sinodal quanto nos Círculos Menores, as vozes indígenas continuaram ressoando fortemente. Em alguns momentos, na elaboração do Documento, as vozes indígenas pareciam ofuscadas. (Mas) eu acredito que no Documento Final apareceu bem a questão indígena. Poderia ser melhor, mas se sabe que o processo sinodal é construído por várias mãos. Mas os indígenas que participaram do Sínodo poderão reescrever suas próprias contribuições, interpretar o que consta no Documento e estabelecer novas reflexões, conforme suas realidades específicas. Os padres sinodais ficaram muito atentos às vozes dos povos indígenas. Muitos padres sinodais afirmaram que os representantes fizeram a diferença no Sínodo. Realmente foi assim.

Pode-se dizer que esse foi um sínodo dos povos originários?

Eu digo que o Sínodo da Amazônia é dos Bispos, mas nós indígenas estivemos dentro do Processo sinodal desde a convocação, processo de preparação e participação do Sínodo. A nossa participação mostrou que houve um tempo que os bispos e os missionários da Amazônia falavam por nós, falavam em nosso nome. Mas de algumas décadas para cá, tanto nas sociedades como na Igreja nós mesmo falamos o que pensamos, falamos de nossas realidades, das realidades de nossas comunidades indígenas cristãs, pois nós mesmos somos Povo de Deus, somos Igreja, não queremos ser apenas destinatários da Evangelização, mas evangelizadores e evangelizadoras. O Sínodo é dos Bispos, mas nós contribuímos muito nesse Sínodo. Ficará nas nossas histórias indígenas. Podemos dizer: nós estivemos no Sínodo da Amazônia e contribuímos, do nosso jeito, com nossos cocares e sem cocares, com vozes femininas, masculinas, com língua espanhola, portuguesa, inglesa. Andamos e circulamos entre os bispos e falávamos com o Papa Francisco. Isso é marcante!

Que esperanças os povos originários podem ter da Igreja a partir desse sínodo?

Renovar a aliança da Igreja com os povos indígenas é uma das vozes proféticas da Igreja na região Pan-Amazônica.  Não é em vão que diversas pessoas criticam negativamente a realização do Sínodo, das pessoas comprometidas com o Sínodo, com os povos amazônicos e povos indígenas. Pessoalmente, a Igreja presente na Amazônia despertou e saiu de sua frieza. O Sínodo veio acalentar o zelo e o elã apostólico e missionário. Depois do Sínodo a Igreja presente na Amazônia não será a mesma, será diferente, será mais presente e mais comprometida, mais samaritana.

Que destaques você faz da presença dos povos originários durante a assembleia sinodal?

Eu sou um indígena sacerdote há 25 anos e de vida religiosa consagrada, com 35 anos de vida salesiana. Mas quando os indígenas tomam a palavra e dizem o que tem que dizer para a sociedade e para a Igreja é algo que mexe com o nosso ser, desafiam a Igreja a ser mais comprometida, mais irmã, mais fraterna, mais decidida, mais corajosa e mais direta em dizer algo. Desafiam a Igreja para ser mais unida, mais solidária. E, ao mesmo tempo, colocam-se à disposição para ajudar diretamente na construção da Igreja.

Quais foram as principais intervenções e falas mais marcantes sobre os povos originários na assembleia sinodal?

Eu estava atento como um dos peritos nas Aulas Sinodais. E percebi que os indígenas auditores e auditoras foram muito diretos e claros em falar da necessidade de que a Igreja reconheça os valores dos povos indígenas. Que a Igreja continue sendo uma aliada, mas também a primeira a respeitar os valores dos povos indígenas. Que a Igreja não tenha receio e medo de avançar em certos temas, como novos ministérios, como ordenação de homens casados comprometidos com as suas comunidades e seus povos. Os critérios da Igreja e os critérios de decisão dos povos indígenas parecem não se encontrar em diversos momentos e em diversos temas. Diversos indígenas falaram da importância da Educação Intercultural. Outros falaram da necessidade de reconhecer, valorizar e promover as vocações autóctones. Outros falaram da defesa dos Direitos Humanos. Enfim, muitos Povos indígenas querem ser protagonistas de suas próprias histórias no campo da educação, política, economia e implementação de programas de desenvolvimento sustentável.

Que gritos permanecem e que horizontes podemos vislumbrar acerca do tema dos povos originários na Igreja da Amazônia?

Os gritos e os clamores dos povos e da própria Amazônia estão relacionados com a invasão dos grandes projetos extrativistas predatórios, das mineradoras, das monoculturas, desmatamentos, das usinas hidrelétricas. A falta de respeito aos direitos dos povos indígenas por parte dos governantes continuam preocupando. Os deslocamentos de muitas pessoas de suas comunidades de origem para os grandes centros urbanos são realidades que preocupam e desafiam a presença da Igreja na Amazônia. A questão juvenil é desafio para toda a Igreja Amazônica, e, durante o Sínodo, foram apresentados diversos projetos que podem contribuir com o sadio crescimento das juventudes amazônicas, indígenas, etc.

A partir desse Sínodo eu percebo que aumentará a sensibilidade de muitos bispos e dioceses na questão indígena, favorecerá o surgimento e o fortalecimento das pastorais indígenas e ministérios leigos e ordenados. No campo da incidência política, a Igreja se organizará com mais eficácia com a participação direta dos povos amazônicos, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses. Na atualidade os povos indígenas interagem com diversos povos.

Que avanços percebe em relação ao processo ou discussão de interculturalidade no sínodo?

A inculturação e interculturalidade aparecem bastante relacionadas na compreensão da Evangelização. A Igreja com os seus missionários não indígenas que vão às comunidades indígenas precisam assumir um compromisso de valorização das culturas tradicionais, respeitar suas culturas, aprender suas línguas e conviver com os povos indígenas. A partir da convivência é que pode gerar as mudanças, conversão dos missionários e dos indígenas que acolhem e se tornam protagonistas da evangelização. No campo da educação escolar também os povos indígenas têm muito que ensinar aos outros povos, mas têm muito que aprender de outros povos.

Como avalia esse convite do Papa e da Igreja em refletir a vida, evangelização e presença dos povos originários na Pan-Amazônia?

O Papa Francisco, ouvindo as vozes da história da evangelização da Amazônia, ouvindo diversos bispos, pessoas que atuam na Amazônia e percebendo os desafios da Amazônia em diversas áreas, conseguiu dar uma resposta: refletir, sentir, olhar, ouvir o que é a Amazônia. O Sínodo mexeu e desinstalou muitas pessoas de seus lugares para pensar a Amazônia como um todo, como território e os povos que aqui habitam. Questionou muitas pessoas, de dentro e de fora da Igreja. Muitos cristãos sentiram-se incomodados com o tema do Sínodo. Os Bispos da Amazônia, daqui para frente, terão outras atitudes perante os povos amazônicos e povos indígenas, e estabelecerão novas metas pastorais em suas dioceses. Acredito que terão novas incidências políticas nas dioceses onde atuam.

Os indígenas que participaram do Sínodo da Amazônia conhecem como são os Bispos da Amazônia, como foram as contribuições dos indígenas que participaram do Sínodo. Principalmente, sabemos as atitudes do Papa Francisco, que conviveu conosco nesse tempo, ouvindo atentamente nas Aulas Sinodais, convivendo com todos em momentos de intervalos, favorecendo que se aproximassem dele. São realidades importantes que marcam a nossa vida.

Fonte: REPAM-Brasil

InfoANS

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