Bélgica – “Sempre levo Dom Bosco em campo comigo”: entrevista com Nathan Verboomen

17 fevereiro 2023
Foto: Emy ELLEBOOG

(ANS – Bruxelas) – Entrevista exclusiva com Nathan Verboomen, um dos árbitros da FIFA mais populares do mundo e filho apaixonado de Dom Bosco. Ele foi entrevistado para a "Don Bosco Magazine" por Tim Bex, Coordenador de Mídia e Comunicação da Inspetoria Salesiana da Bélgica Norte e Holanda (BEN). Na partilha, Nathan fala sobre o seu passado como aluno e como professor, da sua intensa vida como árbitro e, claro, da sua ligação com Dom Bosco. Ele continua a levar Dom Bosco no coração em tudo o que faz.

Além de ex-aluno do "Don Bosco Haacht", você também lecionou lá por dez anos, correto?

Sim, é verdade. Quando criança, era normal, para mim, frequentar o "Don Bosco Haacht", porque meus primos o frequentavam, meu irmão também os acompanhava e, portanto, para mim era normal fazer o mesmo. Entretanto, só estudei lá até a 8ª série. Depois disso, escolhi um curso que Haacht não oferecia. Então fui para outra escola: uma decisão da qual ainda me arrependo...

E por que ainda se arrepende?

Sempre senti saudades de Dom Bosco. Na outra escola - não quero citar o nome - nada era permitido. Durante o recreio você tinha que ficar parado naquela quadra de cimento. No "Dom Bosco" você pode praticar esportes, brincar e se divertir. Como estudante, ajudei a plantar cercas vivas em volta dos campos de futebol. Além disso, havia esportes depois das aulas, corrida no campo, acampamento nas montanhas e assim por diante. Senti falta de Dom Bosco... Na verdade, eu não esperava por isso, porque quando eu ainda estava no "Don Bosco Haacht", às vezes falávamos sobre a "Prisão Don": um julgamento errado, porque todos aqueles que o deixaram quiseram voltar quanto antes. Eu vivi isso em primeira mão. Mesmo como professor, nunca me ocorreu ensinar em outro lugar que não fosse no "Dom Bosco". Trabalhei por um curto período em outro lugar, para substituir outro professor. Mas logo percebi que não me sentia à vontade.

Então V. não cometeu seu "erro" de estudante também como professor?

Não, isso não. Agora, eu tive muita sorte de começar em Haacht: aos 15 anos, já era muito apaixonado pelo meu ‘hobby’ de arbitrar. E rapidamente ficou claro que poderia seguir naquela direção. Assim, depois do ensino médio, precisei fazer uma escolha sobre minha formação levando isso em consideração... Depois, virei professor de educação física porque combinava com o meu “trabalho” de árbitro. Na época – eu tinha acabado de me formar – , o então Diretor do "Don Bosco Haacht" me pediu para arbitrar uma partida de futebol entre Alunos e Professores. No encontro seguinte, começamos a conversar... e uma coisa levou a outra: no ano letivo seguinte fui autorizado a começar a ensinar no "Don Bosco Haacht".

Se não me engano..., V. ficou aqui por dez anos,

Isto mesmo. Nos últimos dois ou três anos, porém, apenas por meio período, porque minha carreira de árbitro estava em ascensão. Em 2017 tornei-me semiprofissional: portanto precisava treinar regularmente durante o dia. Em 2019, recebi o Distintivo de Árbitro Internacional da FIFA. Isso significava que eu tinha que treinar ainda mais, viajar muito e até arbitrar torneios fora das fronteiras nacionais. Em outras palavras: percebi que meu trabalho como árbitro não era mais compatível com o de professor. Meus colegas muitas vezes se ofereceram para compensar minha ausência. Mas também precisamos ser honestos: eu não podia continuar assim! Deixei o “Don Bosco Haacht” e fui trabalhar como representante de nutrição esportiva. Agora, posso definir meus próprios horários e planejar tudo com muito mais facilidade.

"A pedagogia de Dom Bosco sempre me inspirou"

Mas então V. conhece a história de Dom Bosco?

Claro que conheço! Como aluno já havia aprendido alguns conceitos básicos que, como professor, cresceram e amadureceram. Também fiz o curso 'Dom Bosco e sua herança' e cheguei a pedalar de Haacht a Turim com alguns professores. Em outras palavras, estive imerso na cultura de Dom Bosco durante a maior parte da minha vida. Minha Avó também tinha bons amigos salesianos: então, desde criança, conheci um pouco dos Salesianos e da sua Pedagogia: um estilo de educação que sempre me inspirou, e que me ensinou que o importante não é somente o ensino em si; mas que também as atividades extracurriculares desempenham um papel igualmente importante. Naquela outra escola nunca cheguei a ter experiências semelhantes.

Tudo o que vivi quando criança no Dom Bosco – desde os esportes extracurriculares até os acampamentos nas montanhas – me fez crescer. Como Professor, eu gostava de fazer o mesmo pelos meus alunos, porque a gente percebe a importância do nosso papel na educação daqueles jovens. Dom Bosco é um estilo de vida, por assim dizer.

Percebe-se e é evidente que esse espírito permaneceu em você!...

Não somente comigo. Você pode notar isso também em meu irmão. Quando jovem, ele pôde ir a uma espécie de Dia da Juventude da Congregação. Acho que foi em Roma. Assim, entendemos que Dom Bosco ainda está entre nós. E, sabe de uma coisa? Durante aquela viagem de bicicleta com os professores do "Don Bosco Haacht", comprei uma pilha de canetas esferográficas em Turim. Eu ainda as uso como árbitro.

É mesmo?

No campo sempre levo uma caneta no bolso, a do "Dom Bosco". Assim, quando tiro um cartão amarelo ou vermelho, escrevo com a caneta de Dom Bosco. Aquela caneta está sempre lá. Superstição ou hábito? Não sei, mas Dom Bosco estará sempre presente como uma espécie de 'anjo da guarda'.

Então, como árbitro, você também está tentando ser um pouco Dom Bosco?

É difícil, porque dentro do campo você se depara com jogadores que querem vencer a todo custo. Você quer criar um vínculo de confiança de alguma forma, mas durante a partida sempre precisa estar atento como árbitro. O que os jogadores de futebol dizem não é necessariamente correto. Basta pensar em quando eles pedem um pênalti, mesmo sabendo muito bem que não é... Se há semelhanças entre 22 jogadores de futebol e 22 alunos? É algo completamente diferente. Como professor, você se depara com um grupo de crianças com quem pode conversar e com quem deseja seguir o mesmo caminho. Nesse caso, você também pode se envolver emocionalmente. Com jogadores de futebol é uma história diferente. Com eles é preciso manter uma distância emocional.

Mas não haveria alguma semelhança entre alunos e jogadores de futebol?

Sim. Por exemplo, no início do ano letivo você é um pouco mais rígido e deixa menos espaço para discussão. Por que? Porque você precisa se proteger e melhorar sua imagem. Você sempre pode afrouxar as rédeas depois. Mas, se você começar o ano letivo de forma muito permissiva..., tente depois manter sua turma na linha! É o mesmo para o futebol. Você tem que deixar claro quem você é e mostrar os limites. Além disso, há outra grande semelhança: tanto o professor quanto o árbitro não devem sair de suas funções. Os alunos às vezes testam você ao limite; jogadores de futebol fazem o mesmo. Eles irão testá-lo até que você cometa um erro. E isso deve ser evitado.

Frequentemente, um árbitro é imediatamente rotulado como "ruim". É frustrante?

É! É verdade! Mas o futebol não se joga pelo árbitro: quanto menos você aparecer, melhor. É um clichê, mas é verdade. As pessoas não vêm por mim, mas pelos olhos dos jogadores. E tenha certeza de que nós, árbitros, também gostamos de uma boa partida de futebol. Mas, sim: a imagem dos árbitros nem sempre é positiva. Devido à mídia, que vive do sensacionalismo. Eles sabem que um juiz nunca vai revidar e é-lhes fácil criar uma batalha entre jogadores e juízes. Certa vez, um repórter me chamou de "árbitro megaarrogante". Minha pontuação foi escrita em letras grandes no jornal. Aí eu pensei: "Nunca falei com você... Com base em que tem o direito de me chamar assim?". Algumas semanas atrás, eles me encheram de cerveja durante o aquecimento, antes mesmo de a partida começar. Então, o árbitro é o inimigo, certo? Mas você aprende a lidar com isso. Felizmente, nosso trabalho também tem muitos lados positivos que nos deixam felizes em continuar.

Em 2019 houve um projeto onde árbitros treinaram por um dia com times de futebol. Como foi?

Eu fui para Charleroi na época. Este projeto serviu tanto para nos conhecermos como para explicar algumas situações de jogo. Porque, não me interpretem mal, embora seja o trabalho deles, ainda existem muitos jogadores que não conhecem as regras exatas. Um dia assim ajuda a resolver o problema. Mas, acima de tudo, aquele projeto foi um momento agradável para nos conhecermos melhor. Treinamos juntos, comemos juntos, conversamos e assim por diante. Você não se torna melhor amigo de uma hora para outra depois daquele dia. Mas os jogadores têm a oportunidade de conhecer a pessoa por trás do "árbitro" e vice-versa. Então, quando você se encontra no campo, é diferente. Tratamos uns aos outros com mais respeito.

Esta história parece familiar: conhecer melhor um ao outro depois do expediente…

Conhecer-se fora do horário escolar - no caso da competição – ajuda a construir um vínculo. Fazer coisas juntos fora do 'tempo obrigatório', leva a conhecer o lado humano de cada um e isso só melhora o clima na sala de aula ou no campo. Portanto, este projeto foi verdadeiramente salesiano. Devemos integrar Dom Bosco ainda mais em nosso campeonato de futebol.

Poderia ser uma daquelas trocas com torcedores?

Não estou tolerando ações como jogar cerveja, é claro, mas é, de certa forma, "lógico" que é mais provável que eles o vejam como o bicho-papão porque, aos olhos deles, você tomou a decisão errada. Eles torcem por um determinado clube e veem a partida por diferentes perspectivas. Mas, sinceramente: era mais difícil para mim arbitrar uma partida de juniores aos 15 anos do que agora diante de um estádio de 20.000 pessoas. Agora posso chegar sem ser notado, ouvir alguns gritos e alguns assobios, mas nada mais. Mas com aqueles doze pais que ficavam do lado de fora da quadra gritando comigo, era muito pior. Você ouve ‘cada’ uma’ das palavras que eles gritam com você; é quase um confronto cara a cara.

Falando em compromissos: é possível levar uma vida familiar saudável com uma vida tão corrida?

Muitas vezes estou longe de casa e sim, estou extremamente ocupado. Mas a pergunta deve ser feita à minha esposa. É viável para Lotte? Quando estou fora, ela precisa cuidar sozinha dos nossos filhos e conciliar todas as tarefas domésticas com o trabalho de professora. Então, para ela, muitas vezes é muito mais difícil do que para mim. Isso é o que as pessoas não veem e não perguntam. Pelo contrário: quando estou fora, as pessoas perguntam "como está o Nathan?". Portanto, tenho um enorme respeito por Lotte e sou grato a ela por me deixar fazer isso.

Lotte também é... professora?

Adivinhou... Nos conhecemos lá, no "Dom Bosco". Tivemos dois filhos e por isso é possível que também eles acabem indo para o "Dom Bosco". Ambos concordamos cem por cento com esse estilo de educação.

Tim Bex conclui a entrevista com uma nota interessante: “Coincidência ou não: enquanto eu trocava meus últimos pensamentos sobre futebol com Nathan, Lotte entrou. Por um momento, a imagem de Mamãe Margarida apareceu em minha mente. Porque não devemos esquecer a mulher forte por trás dele. Satisfeito, entrei no carro. Dois dias depois ouço no rádio: 'Yaremchuk nocauteia Diawara e o Árbitro Verboomen não tem outra opção a não ser dar o primeiro cartão amarelo. A menos de dez minutos, pensei comigo mesmo: "Aqui está Dom Bosco". Tiro o chapéu para Nathan por ter vivido o ‘espírito’ de Dom Bosco de forma tão inspiradora! Dom Bosco certamente se sente orgulhoso dele!”.

Tim Bex

InfoANS

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