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SENHOR, QUE EU NUNCA DEIXE DE ME MARAVILHAR
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12 fevereiro 2021
Foto: Kenya 2017

«Esta é a minha oração depois de haver visitado mais de cem nações onde há presenças salesianas e conhecido uma realidade tão incrível, tão fascinante, tão preciosa, tantas vezes tão dolorosa»

Uma calorosa saudação, amigos e leitores. Há poucos dias, celebrámos a festa de Dom Bosco, de modo diferente dos anos anteriores porque a pandemia não desapareceu e condiciona muitas coisas. Pois bem, também nesta situação devemos saber ler as luzes e os focos de esperança que estão presentes.

Na noite do dia em que celebrou a Primeira Missa em Castelnuovo, com sua mãe, pelos caminhos da sua infância, João Bosco regressou aos Becchi. Lá vão os dois juntos, o filho consagrado e a mãe, cheia de fervor e de felicidade. Dupla maravilhosa que percorria o caminho que sobe a colina: sobre eles certamente velavam os anjos. Então João recitou o seu Magnificat pessoal: «Quando me aproximei dos lugares onde tinha vivido como criança, e revi o local onde havia tido o sonho dos nove anos, não pude conter a emoção. Disse: Como são maravilhosos os caminhos da Providência! Deus levantou verdadeiramente da terra um pobre rapaz, para o colocar entre os seus prediletos».

E no espírito do Magnificat, decidi partilhar convosco a oração do título, que é o meu modo de rezar nestes últimos anos. Nos últimos seis anos, antes da pandemia, tive a preciosa e empenhativa oportunidade de visitar cem nações do mundo onde há presençaas salesianas, quer dos SDB quer da Família Salesiana em geral. E conheci uma realidade tão incrível, tão fascinante, tão preciosa, tantas vezes dolorosa, que a minha oração quotidiana, quando regressei a Roma, era sempre esta: “Senhor, que eu nunca deixe de me maravilhar”.

Não deixarei nunca de me maravilhar com a dignidade de uma centena  de mulheres sós com os seus filhos (cujos maridos morreram ou desapareceram) no campo de refugiados de Juba (Sudão do Sul) que estão na nossa casa salesiana. Que não deixe de apreciar a decisão de acompanhar como SDB todas aquelas pessoas que não têm nada e seguramente ninguém.

Não posso deixar de estar surpreendido com a alegria que senti quando me encontrei com os rapazes e raparigas que vivem na cidade Dom Bosco em Medellín (Colômbia), onde retomaram os estudos depois de haver sido utilizados como soldados da guerrilha das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Ora aqueles jovens “resgatados e salvos” da guerrilha, vivem com o sorriso e a esperança.

Não posso de deixar de me maravilhar com o bem que se faz vivendo numa comunidade salesiana no centro do campo de refugiados de Kakuma (Quénia setentrional), um campo de refugiados da ONU que é quase uma cidade, com mais de 300.000 pessoas, e de que fomos uma parte “extraordinária” durante muitos anos. Extraordinária porque uma regra destes campos de refugiados é que de noite ninguém de fora do campo pode permanecer ali, mas o fascínio da pessoa de Dom Bosco e o estilo educativo dos seus filhos permitiu-nos ter uma casa em que viver no meio destas famílias, uma escola para lhes ensinar uma profissão e uma paróquia presente em várias zonas do campo.

Não posso deixar de estar surpreendido com a proximidade que experimentei com a corajosa gente das “Villas” na Argentina, em Buenos Aires. Assim são designadas as periferias desta grande cidade, onde trabalham os “curas villeros”, os sacerdotes tão amados pelo Papa Francisco, e onde se encontram também os nossos irmãos e irmãs SDB.

Não posso deixar de estar surpreendido com os rostos e os sorrisos de tantos rapazes e raparigas salvos da rua, acolhidos nas nossas casas. São os “filhos da rua”, quer na Colômbia, Serra Leoa ou Angola, quer em tantas presenças na Índia. Vi tantos ‘milagres’ de salesianos que fazem visitas noturnas nos esconderijos onde estes rapazes vivem e dormem, onde “cheiram” produtos químicos, vernizes e adesivos que destroem os seus pulmões. Tentam um primeiro contacto com eles até que aceitam ir à casa salesiana para se lavar, comer e estar ali se quiserem. Verdadeiros milagres que salvaram e salvam tantas vidas.

Rezo com fé, pedindo que nunca deixe de me maravilhar com a eserança e dignidade que encontrei em tantos jovens animadores, estudantes e universitários de Damasco e Aleppo, que junatmente com os nossos irmãos salesianos continuaram a acolher todos os dias centenas de jovens para que a guerra no seu País não fosse tão terrível. Não ouvi lamentações. Ouvi discutir lucidamente sobre a guerra e sobre os diversos interesses de tantas nações, mas encontrei dignidade e slidariedade, encontrei fraternidade e fé. E pedi ao Senhor que eu não deixasse de me surpreender com tanta dignidade no meio do horror de uma guerra e de uma cidade 70% destruída, coisa que só tinha visto em filmes. Estar ali é muito diferente.

E peço ao Senhor que eu não deixe de me maravilhar perante a bela realidade de vida compartilhada ao longo dos anos com tantos povos indígenas, seja com os Yanomami, os Xavantes, os Boi-Bororos do Brasil, seja com os Ayoreos e os Guaranis do Paraguay, seja com os Shuar ou Achuar do Ecuador. Quando pude encontrar-me com eles, não deixei de me maravilhar com a sua realidade e com a dos meus irmãos e das minhas irmãs, que há tantos anos compartilham a sua vida.

Eis porque peço ao Senhor que me ajude a não deixar de me maravilhar, porque a estupação me torna mais grato a Deus, à vida, e àqueles que fizeram tanto em favor dos outros, dos quais, nas minhas visitas de animação, só fui uma testemunha, como que um notário. Os sonhos missionários de Dom Bosco cumpriram-se e foram muito além daquilo do que ele mesmo haveria podido sonhar.

Ao mesmo tempo, tenho medo de me habituar a muitas coisas, como o facto de que o número de mortos por Covid seja só uma curiosidade de números, quando por detrás daquelas mortes há tantas histórias dolorosas e muitas vezes histórias de vidas maravilhosas. Não quero habituar-me à dor causada pelas migrações e pelas mortes no Mediterrâneo pelo desejo de chegar à Europa, ou às fronteiras e aos rios de várias nações, na tentativa de chegar ao norte.

Não quero deixar de estar ferido pelos abusos das máfias que exploram as pessoas, que as enganam com a promessa de uma vida melhor e despois sujeitam essas pessoas, muitas vezes mulheres e adolescentes, a uma vida de prostituição e de abusos sem qualquer perspetiva de libertação.

Não quero habituar-me a pensar que não se pode fazer nada nas nossas sociedades.

Não quero habituar-me a ver filas e filas de pessoas à espera de um prato de comida nas nossas grandes cidades do “primeiro mundo”, com histórias muito dolorosas.

Quero permanecer sensível a isto como sensível é toque de uma ferida infetada.

Caros leitores, esta é minha simples e humilde mensagem para vós, porque sei que despertou muita consciência em tantas pessoas, e porque sei que há muitos de nós que julgam possível e realista mudar e melhorar muitas situações.

Continuo a augurar-vos um 2021 cheio de esperança, de autêntica e verdadeira esperança, convido-vos também a sonhar, a não renunciar a deixar-vos surpreender pela beleza e pela incredulidade da vida, por tantas histórias únicas e, ao mesmo tempo, a não habituar-vos àquilo que não deveria existir.

Obrigado por terdes permanecido ao nosso lado como amigos, acreditando que um mundo melhor é possível.

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